Vou Te Contar Porque Seu Sucesso Me Incomoda Tanto

 

Olá! Hoje eu resolvi te contar porque seu sucesso me incomoda tanto. Já que você não vai ler essa carta mesmo, vou rasgar o verbo, falar na lata os motivos pelos quais te stalkeio e te dou várias alfinetadas, através do meu perfil fake. Também vou te revelar como estou conseguindo me livrar disso.

Em primeiro lugar, tenho inveja de você. Do seu bom casamento, da sua família perfeita, do carrão que você comprou recentemente, da sua casa impecável, das suas roupas de grife, dos lugares que você frequenta, das viagens que você faz e das comidas que você come. Perco um tempo enorme na internet vasculhando sua vida, buscando um sinalzinho qualquer que me faça crer que você também tem dor de cabeça. Porque o que você mostra é a vida de uma pessoa vitoriosa, com um poder aquisitivo descomunal e os dias lotados de prazer. Minha razão me diz que não pode ser sempre assim, que você, de vez em quando, amanhece de cara amassada e olhos vermelhos, pela insônia que te fez companhia a noite toda; que você se preocupa quando um filho chega de madrugada. Mas, logo o meu pensamento mágico me diz que você nunca soube o que é insônia, pois acorda sempre sem um único fio de cabelo fora do lugar. E imagino que você tenha guarda-costas e motorista, para trazer seu filho são e salvo. Realidade bem diferente da minha, que ralo o dia todo pra honrar minhas contas. À tarde, você está em algum evento de gente fresca, enquanto eu estou na prisão que é meu emprego; pego um trânsito cruel de volta à casa, enquanto você vai jantar, em plena terça-feira, na mansão vizinha do seu condomínio elegante. Eu me comparo com você e perco de longe. E acho injusto eu remar contra a maré e você se dar tão bem na vida, só porque nasceu em família rica e bem relacionada, só porque tem fama e milhares de seguidores. E isso me dá muita, muita raiva! Você não faz nada de útil, sabe, só esfrega na minha cara sua vida perfeita, enquanto eu não sei se terei emprego no mês que vem. Injusto, tremendamente injusto! E o tanto de presentes que você ganha! Ganha!!! Sem fazer o menor esforço, simplesmente porque tem uma cara bonita e dinheiro a rodo. E você não precisa desses presentes, poderia comprá-los se quisesse. Mas, como dinheiro chama dinheiro, sorte chama sorte.

A obsessão pela sua vida estava virando doença. E você nem sabe que eu existo. Minha psicóloga me chamou a atenção pra isso (Bendita terapia! Ela me salva de enlouquecer!). O tempo que eu perdia te stalkeando era inacreditável. Diz ela que eu poderia usar esses momentos para cuidar mais de mim, da minha vida, dos meus projetos. Investir no meu potencial. Ela diz, também, que as comparações são sempre injustas porque sempre vai existir uma pessoa mais bonita do que eu e outra mais feia, uma mais alta e outra mais baixa, uma mais rica e outra mais pobre. Dessa forma, segundo ela, a comparação tem que ser intrapessoal. Ou seja, eu comigo. Na sessão passada, ela me pediu pra fazer uma lista de quem eu era e do que havia conquistado, de um ano pra cá, e também pra fazer uma comparação com o que sou e tenho agora. Isso me obrigou a ver que dei um up, que progredi, sim, em todos os sentidos. Sabe que essa constatação foi importante pra mim? Realmente, não havia percebido minha evolução. Estou melhor fisicamente, me conheço mais, terminei o curso, tenho emprego, ainda que chato, mas não valorizava nada disso, aliás, sua grama – na minha concepção – era muito mais verde do que a minha. “Ok – diz ela – pode ser, sim, no quesito fama, grana, e condições sociais, de uma forma geral. Mas é uma ilusão absolutamente infantil acreditar que essa criatura é imune aos reveses da vida. Se é ser humano, pode ter certeza absoluta que ela também passa seus perrengues. Ou você acha que essa pessoa vai ser louca de postar foto na hora da indisposição estomacal ou da dor de barriga? Claro que não! Porque esse lado humano iria destruir tudo o que você e os seguidores fantasiam a respeito dela. Então, é você que dá a ela todo esse poder de um super-herói, na medida em que a enxerga como a perfeição encarnada. Além do mais, eu não sei se você já ouviu falar de um psicanalista francês chamado Jacques Lacan. Lacan dizia que o homem não se importa muito nem em ser nem ter. O que dá status, de uma certa forma é parecer ser. Era o que ele chamava de Faire Semblant, que é um termo que designa falsidade, engano, fingimento. Então, ao invés de ficar com raiva ou inveja dessa pessoa tão espetacular, comece a entender que tudo o que ela posta é jogada de marketing para fisgar seguidores e stalkeadores como você.”

Depois, ela me sugeriu duas coisas, para me ajudar a me livrar dessa obsessão pela sua vida. Ela me propôs desinstalar o instagram, pelo menos por algum tempo. Ela me disse que minha qualidade de vida iria melhorar, uma vez que eu utilizaria esse tempo, gasto inutilmente, com algo que valesse a pena. “Vá olhar para você, pra sua vida, para os seus projetos!”

Ela sugeriu, também, que toda vez que eu pensar em você, em suas viagens de jatinho e suas festas bárbaras, e sentir que a raiva e a inveja estão subindo garganta acima, que te imaginasse correndo para o banheiro e se contorcendo de dor de barriga. Então, visualizo você disparando pelo corredor do restaurante, com cara de sofrimento e segurando as calças. Daí, você tenta abrir a porta do banheiro, mas ela está fechada. Está ocupado e você, desesperadamente, esmurra a porta, gritando para a pessoa sair, pelamordedeus! Quando você está suando frio…..ahhhhhh!!!!…..finalmente aquele desgraçado sai e você entra feito uma bala. Olha, vou te dizer uma coisa: ainda não me livrei totalmente do meu complexo de inferioridade, mas essa visualização tem me ajudado muito a te ver como um ser humano falível. E chego até a desejar que você seja feliz, ainda que continue a fazer Faire Semblant.

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