Insônia

A cena se repete: chá de camomila com maracujá, distância da televisão e do celular, leitura um pouco antes, meditação guiada por uma voz monótona, quarto escuro e arejado. E ele vai pra cama. Depois de 2 horas e meia de inquietude, decide levantar. Vagueia pela casa, abre as cortinas e observa a lua e as luzes dos apartamentos ainda pulsantes. Pensa em ligar a TV, mas desiste quando o relógio informa que já são 3 da madrugada. Volta pra cama. Adormece lentamente até que um sonho de angústia o desperta. O relógio marca 3:47 horas. Senta-se, respira, os olhos ardendo e a cabeça doendo. Levanta-se e vai à cozinha, em busca de um analgésico. Sente a raiva e o mau humor irrompendo e a angústia do nascer de mais um dia, que ameaça ser improdutivo.

Já havia tentado de tudo: eletroencefalograma, polissonografia, psiquiatra, antidepressivo, exercício físico, indutor do sono, melatonina. Nada apontava para uma causa, nenhum medicamento cumpria totalmente seu papel, nada resolvia. Sentia-se exausto, infeliz, improdutivo, com raiva do mundo e de si mesmo. Onde poderia estar o nó de toda aquela situação, que começara na adolescência? Pressentia que, no íntimo, sabia a resposta, mas não conseguia acessá-la. Uma névoa cinzenta e densa escondia a causa. Foi quando bateu o olho no cartão da psicóloga, oferecido pelo psiquiatra na última consulta. Só faltava essa agora! Contar sua vida para gente estranha. E se nem o indutor do sono tinha dado jeito nessa encrenca, como é que um bate-papo iria conseguir essa façanha? Mas, se você não chega à cura pelo amor, chega pela dor. O desespero levou-o a zapear a profissional. Ela só tinha horário para a semana seguinte. “Menos mal” – pensou – “eu tenho uma semana pra resolver esse suplício e, então, não vou precisar ir à consulta”. Mas ele sabia que não seria assim. Não se resolve um problema de 33 anos em uma única semana.

O fato é que não conseguiu e lá foi ele para a primeira sessão. Gostou dela e contou coisas que nunca havia contado a ninguém, tanto que resolveu voltar. E voltou na semana seguinte. E na outra, quando ela, muito atenta, lhe fez uma pergunta à queima-roupa:

– O que você tanto precisa vigiar?
– O quê?, perguntou espantado.

Ela não repetiu a pergunta e, encarando-o afetivamente, esperou pela resposta. Magica e subitamente, ele foi transportado aos seus 12 anos de idade, na casa onde vivia com os pais e os 3 irmãos. Um barulho na sala o fez levantar-se. Os pais conversavam baixinho e a mãe chorava. O pai a abraçava e tentava acalmá-la:

– O que vai ser de nós? Como vamos viver sem você? Isso não pode estar acontecendo…
– Calma, você está colocando o carro adiante dos bois. Ninguém disse que eu vou morrer, o médico só falou que a doença progrediu e que o tratamento é agressivo, mas que tenho grandes chances.

A mulher olhou para o marido, os olhos azuis inchados de tanto chorar, as fácies contraídas pelo sofrimento:

– E se…não der…certo? O que vamos fazer?

Segurando as mãos da mulher, o marido não respondeu.

Lembrou-se de ter-se trancado no banheiro, o coração disparado, o sangue subindo pelo rosto. Era isso mesmo que havia ouvido? O pai ia morrer? Ali ficou por um bom tempo e viu a aurora irromper janela adentro.

Os dias seguintes foram muito, muito difíceis. Passava as noites acordado, vigiando a respiração do pai e o bem estar dos 3 irmãos menores. Após alguns meses, o pai partiu e ele assumiu a cadeira de homem da casa. Precisava estar alerta, prestar atenção ao menor sinal que colocasse em perigo a família. Carga extremamente pesada para um adolescente.

E a vida prosseguiu, como todas as outras vidas que têm que ser vividas…

Ela, enfim, repetiu, pausadamente:

– O que…tanto…você…precisa vigiar? Por que…não pode…se entregar…ao sono?

Foi então que ele irrompeu no choro mais copioso e sincero de sua vida. Chorou pela falta do pai, pela pena que sentia da mãe e dos irmãos, pelas oportunidades perdidas porque tinha que vigiar, prover, acatar, acolher. Chorou por tudo o que poderia ter sido e não foi. Quando se acalmou, a profissional, de forma cuidadosa e afetiva, colocou uma cadeira à sua frente, em cima uma almofada e pediu-lhe que dissesse ao “pai” tudo o que gostaria de ter dito, desde o momento em que ficou sabendo de sua doença, tudo o que foi escondido e engolido por aquele menino de 12 anos, cujo único desejo era o de salvar a família. Mais uma explosão de choro avassalador e as frases finais:

– Foi muito difícil ficar sem você pai. Foi muito difícil passar a zelar por essa família, foi uma carga pesada demais sobre meus ombros de menino. Por isso, pai, eu saio desse lugar e te devolvo a sua função de pai, mesmo que você, fisicamente, não esteja mais aqui. Mas você está sempre dentro do meu coração. Eu fico, agora, no meu lugar de filho. Eu sou somente seu filho mais velho. Obrigado, pai!

Naquela noite, dormiu como um recém-nascido. Tanto que perdeu a hora para o trabalho e decidiu ficar em casa, como um menino levado que mata aula na escola.

escrita

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2 Comentários

  1. edina

    dr.Preciso ajuda moro no estado Para
    meu zap 93981162084 pode fazer consulta comigo ? vi a postagem no facce sobre insomia

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