Hierarquia das Necessidades Básicas
Abraham Maslow foi um psicólogo americano, autor da Teoria das Necessidades Básicas que, através da representação em uma pirâmide, propunha que as necessidades fisiológicas estariam na base de outras: segurança, afetividade, estima e realização pessoal. Nessa ordem, uma necessidade só poderia ser satisfeita se a anterior fosse concretizada. De um modo muito prático e simples, se você estiver lendo esse texto enquanto seu estômago ronca de fome ou se estiver apertado para ir ao banheiro, a probabilidade de entender qualquer palavra escrita aqui aproxima-se de zero.
Acabo de voltar de três semanas de férias em Portugal. Rodei o pequeno GRANDE País de sul a norte. Foi minha primeira vez por lá e posso resumir minha viagem em uma frase: tranquilamente, poderia morar em terras lusitanas. Não sou ingênua e sei que uma viagem descontraída e sem maiores compromissos não retrata o cotidiano de um morador. Mas encontrei um País muito parecido – e muito diferente – do nosso Brasil. Parecido naquilo que se configura como uma das três origens do povo brasileiro. Diferente naquilo que tange às necessidades básicas.
Em pouco mais de 15 dias, em todas as cidades, não vi absolutamente ninguém varrendo as ruas. Mas elas amanheciam limpas, o que levou-me a cogitar que a limpeza seria feita à noite; ou que, então, são utilizados carrinhos-varredores, com vassouras enormes, capazes de fazerem brilhar as vias em apenas 1 hora; não vi nenhuma grade em nenhuma janela e, muito menos, cercas elétricas nas casas, cujos muros não oferecem resistência à uma criança de 5 anos; não vi os carros acelerarem para cima do pedestre desavisado que atravessa a rua. Pelo contrário, parada na calçada, admirando a arquitetura local, ao olhar para os lados, verificava que os veículos se detinham, esperando a minha decisão de mudar de passeio. Os trens, limpos e confortáveis, nos levaram às cidades próximas em pouco tempo, sem qualquer atraso ou complicação; As estradas são tapetes, o que permite que os carros andem a cerca de 150 km/h (Virgem Maria, toma conta!); Minha filha que, como toda adolescente, ama um celular, pôde ligar o GPS e trazê-lo às mãos continuamente, sem se preocupar com os larápios nativos (Sim, eu sei que, em todos os lugares, eles existem. Mas não demos o azar de encontrá-los por lá). Não vi pichações nos diversos monumentos; vi tranquilidade e fluidez nas grandes filas que levavam a museus e castelos medievais; os policiais, nas ruas, são poucos, a despeito do grande número de turistas de todo o mundo. Em suma – repito – posso morar por lá, até porque comi e bebi muito bem e o custo de vida assemelha-se muitíssimo ao da minha cidade.
Voltei saudosa e reflexiva. As viagens têm esse poder sobre mim, não interessam se vou para Portugal ou para o sítio de amigos. Mas voltei com um “quê” de indignação e tristeza. Não temos segurança, não temos trens confortáveis, não temos arquitetura sem pichação e ai de nós se exibirmos o celular. Provavelmente, será surrupiado de nossas mãos. Podemos argumentar que cabem centenas de Portugais” dentro do Brasil, que é extremamente difícil administrar um País com essa metragem territorial. Podemos argumentar tantas coisas, em defesa do Brasilmas essas argumentações caem por terra quando nos levantamos e pegamos um ônibus entupido de gente afoita, às 6 e meia da manhã; quando vemos que os carros não nos dão passagem, ainda que nossa seta esteja piscando e nossa mão fora da janela, solicitando a gentileza matutina; quando verificamos que os papéis entopem os bueiros, que transbordam em épocas de chuva, causando transtornos consideráveis; quando não conseguimos empurrar um carrinho de bebê ou uma cadeira de rodas pela calçada porque os inúmeros buracos não permitem. E você, querido leitor, pode agregar mais quando…” à minha lista, se desejar. Eu fico por aqui.
Então, há que se pensar: se não temos nossas necessidades mais básicas garantidas, como poderemos almejar galgar o patamar superior? Como pensar em realização profissional se sacolejamos 2 horas dentro de um ônibus lotado? Que cansaço e irritação permite isso? Não tenho resposta pronta, mas tenho certeza de que podemos influir muito mais no nosso microcosmos do que no macro. Então, quando ensino às minhas filhas que o lixo deve ser posto no lixo, que os gatos” de internet são imorais e ilegais e que não devem usar a senha do amigo para assistir Netflix, estou fazendo minha parte; quando levanto a minha voz para exigir meus direitos no supermercado ou na papelaria (e elas morrem de vergonha de mim), estou dizendo que cumpro fielmente com aquilo que se espera da minha pessoa mas, em contrapartida, quero ser respeitada como cidadã. Não quero me deparar com pichações (Sim, João Dória Jr, concordo com você), enfeiando nossos poucos monumentos; não quero conviver com gente sem educação, que olha para seu próprio umbigo, antes de pensar na coletividade. Não quero muitas coisas e desejo tantas outras, tão simples, mas tão capazes de elevar nossa qualidade de vida. Quero as praças limpas, as crianças correndo alegres, minha mochila às costas, sem qualquer receio dos inimigos do alheio; quero gentileza e amorosidade; quero honra e respeito.
Não tenho ideia se conseguiremos, algum dia, a metade do que o europeu já tem, há muito tempo. Bert Hellinger, o sábio criador das Constelações Sistêmicas (http://psicologia.es…r/constelacoes/), já anunciou que o Brasil só se erguerá, como Nação, no dia em que brancos, negros e índios forem honrados e respeitados, como os alicerces do povo brasileiro. Fazemos piadas com os portugueses (desconhecendo que estão muito à nossa frente), subjugamos os negros e consideramos os povos indígenas como seres inferiores (“Pô, cara, isso é programa de índio o que você me arrumou!). HONRA E RESPEITO. Começa por aí.
Na época da ditadura, a frase que vigorava era: “Brasil: ame-o ou deixe-o”. Não sei se fico no Brasil, não sei se me mudo para o calor do Algarve. Ainda tenho algum tempo para pensar nisso. O que desejo é poder, pelo menos, pensar com suavidade na Pirâmide de Maslow e sentir, de todo o coração, que é possível habitar lugares mais belos.
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