Quem Não Se Comunica, Se Trumbica – Parte 2

Estava tudo pronto para a viagem à França: passaportes em dia, euros comprados, roteiro feito. Ficariam alguns dias em Paris, depois seguiriam para o Vale do Loire e desceriam à Provence. Ela, o marido e os filhos adolescentes. Não cabia em si de satisfação, já que sonhava com essa viagem desde menina.

Pouco tempo antes, o sogro adoeceu e o quadro foi se complicando. A viagem estava ameaçada até que decidiram abortá-la.

Um ano depois, ela assiste TV, quando, zapeando, encontra um programa sobre viagens e…voilà! Vive la France! Os tonéis de vinho, as papoulas, os castelos medievais invadem sua retina. Quase chega a sentir o perfume dos campos de lavanda. Em êxtase, ela diz ao marido:
– Acabei de ver um programa sobre a França! Você não imagina a beleza daquilo! Vamos reativar a ideia da viagem, vamos, vamos?!? Eu preciso disso!!!
O marido, face contristada, dispara, ríspido:
– Eu não vou pensar nisso agora! Tenho coisas mais importantes a fazer nesse momento.

Ela murcha. Sofre. Esquece os campos de girassóis, esquece até mesmo o amor que sente pelo seu par. E retira-se desajeitadamente, zonza de tristeza.

O marido, na sala ao lado, repensa. Sabe que foi grosso, mas não conseguiu agir de outra forma. Na semana anterior, executivo de uma grande empresa, tivera que demitir 32 funcionários e, desde então, não conseguia dormir tranquilo, pensando nos pais de família que teriam dificuldades para sustentar sua casa. Como pensar em viagens se se sentia responsável pela falta do pão nas mesas alheias? Respirou fundo e decidiu esperar, até que a poeira assentasse.

Corte rápido para refazer a cena:

– Acabei de ver um programa sobre a França! Você não imagina a beleza daquilo! Vamos reativar a ideia da viagem, vamos, vamos?!? Eu preciso disso!!!
– Olha, você sabe que tive que demitir 32 funcionários na semana passada, não sabe? Estou com a consciência pesada, mesmo sabendo que não tinha outro jeito. Estou me sentindo culpado, então não tenho a mínima condição de pensar em viagem agora.
– É, eu entendo. Me desculpe, eu fiquei empolgada demais e não entendi sua dor.
– Eu sei que essa viagem é muito importante pra você. Você me dá um tempo, até eu me restabelecer? Daí, então, a gente volta a pensar no assunto.
– Claro! Eu posso fazer alguma coisa pra te ajudar nisso? Te ouvir, fazer um chazinho de camomila, fazer um cafuné?
– Pode! (sorrindo e abraçando a esposa) Ficando ao meu lado.
– Isso eu vou fazer sempre!
– Eu te prometo que, assim que resolver isso comigo mesmo, voltamos a falar sobre a viagem, tá bom?
– Quanto tempo você acha que vai precisar para metabolizar essa questão?
– Não sei, talvez na semana que vem já dê pra gente conversar. Eu te digo, tá?
– Tá! Eu te amo!
– Eu também te amo!

Beijaram-se, carinhosamente, e tal e qual o conjunto da interseção da matemática, cada um seguiu seu caminho mas, em comum, tinham o desejo de fazer bem ao outro.

escrita

Website:

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *