O que seria do vermelho se todos gostassem do amarelo?

     Do alto da minha maturidade, descubro que sou fã de concertos. Sempre admirei a boa música mas, até que minha filha mais velha me convidasse a assistir uma orquestra sinfônica em ação, achava que iria bocejar o tempo todo. Ledo engano!

Surpreendo-me com os códigos da apresentação: a casaca do maestro já me era familiar mas nunca soube o que era um “Spalla” e me admiro quando o regente cumprimenta o primeiro violinista, esse mesmo que entrou sozinho no palco, após todos os outros músicos. Então, o “Spalla” (ombro, em italiano, sobre o qual se apóia a cabeça/regente da orquestra) empunha o instrumento e dá o tom. Os companheiros guiam-se pelos acordes e afinam violinos, violas, violoncelos, contrabaixos, fagotes… Fagotes? Perco-me, devaneando, sobre o que levaria uma pessoa, mentalmente sã, a estudar…fagote! Desvio meu olhar para os contrabaixos e me pego sorrindo, ao imaginar um músico, com o instrumento às costas, tentando entrar em um ônibus, na hora do rush de uma grande cidade. Simplesmente impossível! Simplesmente impagável! Continuo meu devaneio e fecho os olhos, tentando discernir cada de onde vem cada nota. Verifico que os tons mais agudos são dados pelos violinos. As violas se diferenciam um pouco, na gravidade do som. Mais grave, ainda, são os contrabaixos…e os fagotes…Meu Deus! Percebo que estou implicada com esses dois instrumentos. Talvez por causa do tom grave que exalam, talvez pelo seu tamanho absurdo. Continuo pensando como, de que modo, se leva um instrumento daquele tamanho para casa. Muito mais simples colocar um violino às costas. Majestoso violino, rei da orquestra. Sem ele, penso eu, não dá para fazer muita coisa. Ou dá? Não sei. Sou muito leiga para responder. Presto atenção aos gestos do maestro. Não entendo como o erguer e o abaixar das mãos possam conter notas musicais. Também me pego pensando: “E se tirassem o maestro daquele pequeno pedestal? Haveria música?”. Também não sei responder. Vejo que os músicos se agregam em dueto e compartilham a mesma partitura e que um deles é o responsável por virar as páginas, enquanto o outro toca.

No meio disso tudo, descubro que amo…amo…amo uma música do compositor polonês Wojciech Kilar, intitulada Orawa. A partir de hoje, é a minha preferida. Fecho novamente os olhos e me deixo embalar pela perfeição dos acordes e seus allegros vivaces. Subo e desço, vou para a direita e para a esquerda, para subir novamente. E, no meio de tanta beleza a encher meu hemisfério cerebral direito, descubro que preciso de música clássica. Para tornar meus dias mais alegres, mais serenos, mais risíveis e bonitos. Tanto que digo à minha filha: “Não perca absolutamente nenhum convite do seu professor Maestro, viu? Sempre que ele os distribuir, tenho que assistir a apresentação. Ah!…Aproveita e pergunta pra ele o que leva alguém a estudar…fagote?!?” Rio de mim mesma e dou a resposta: “Que bom que existem os fagotes, para dar o tom grave e o tempero diferente à orquestra. Afinal…o que seria do vermelho, se todos gostassem do amarelo?”

 

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