Gosto Não Se Discute

 

O rapaz à minha frente lotou o prato de ovos cozidos ao molho branco. Meu estômago revirou 15 vezes e desviei o olhar da cena. Odeio ovo cozido, quase na mesma medida em que odeio molho branco. Mas, pelo visto, o rapaz era louco por tão inusitada…Argh!…iguaria.

Gosto de animais: no zoológico ou na tela do Animal Planet. Nunca seria veterinária. Mas conheço gente que faz dessa profissão a razão do seu viver. Dormem rodeadas por seus cachorros e gatos e, pela manhã, alimentam seus hamsters e peixinhos de forma carinhosa.

Odeio cozinhar! Com todas as forças do meu ser! Levo 3 horas para fazer um almoço ridículo. Enquanto isso, Rita Lobo, Alex Atala e os chefs formados pela Le Cordon Bleu enchem os bolsos de dinheiro, advindo, muitas vezes, da mistura de ingredientes exóticos. Dia desses, saía eu do supermercado, quando um jovem me abordou, insistindo para que eu comprasse as panelas do Masterchef:

– Se a senhora assiste Masterchef, Ana Maria Braga e outros programas parecidos, a senhora já deve ter visto que maravilha é essa panela! E o preço está excelente, a senhora nem vai acreditar.

– Te agradeço muito, mas nesse momento não tenho interesse.

– Ah, não! Dá uma olhadinha aqui, tenho certeza de que a senhora vai se apaixonar.

– Moço, sinto muito, mas você abordou a pessoa errada, disse-lhe gentilmente. Odeio cozinhar, da mesma forma que abomino a ideia da 3ª guerra mundial. Obrigada, mas…não!

Fiquei com dó do rapaz, pois, pela expressão dele, vi que não estava preparado para uma pessoa com tanto desamor por picar legumes e refogar carnes.

Um outro dia, minha filha mais velha me disse:

– Olha que horror as panelas aqui de casa! Todas amassadas! Você tem que comprar panelas decentes!

Olhei dentro dos olhos dela, aproximei-me lentamente, fiz um gesto com a mão, deslizando-a no ar, por todo o meu corpo e disparei dramaticamente:

– Olha bem pra mim. Vê se eu tenho cara de quem compra panela? O que eu gastaria nessa panela de marca, que você está me sugerindo comprar, eu pago um baita almoço pra nós duas, em euro. E com vinho da melhor marca, hein?

Tenho horror a cozinhar mas amo comer. Então, se você se dá bem com temperos e misturas, pode me convidar pra jantar, ok? Agora, se nesse jantar, as turmas forem divididas em clube da Luluzinha e do Bolinha, vou abrir uma cerveja e me juntar aos homens pois, provavelmente, não darei conta das trocas de receitas que certamente acontecerão.

Também detesto salto alto. A altura máxima a que me atrevo são 7 centímetros. Uma vez ao ano, somente. Em compensação, conheço mulheres que têm encurtamento de panturrilha e sofrem de dor ao usar sapatilhas, acostumadíssimas que são ao salto 12.

Amo viajar! Mas tenho amigas que dão tudo o que tem para não arredar o pé do seu próprio estado. Aliás, se nem saírem do bairro, melhor ainda.

Nunca fui – e nem pretendo ir – aos Estados Unidos e Austrália, a não ser que ganhe a viagem. Prefiro as cidades medievais da Itália e as ruínas do Parthenon. Mas tem gente que economiza o ano inteiro para passar as férias nas filas dos parques da Disney e nas outlets de Miami.

Leitura faz parte da minha vida desde sempre. Já outros, contam nos dedos da mão direita quantos livros leram durante toda a sua existência. E olha que vai sobrar muito dedo.

Não me convidem para assistir Star Wars. Acho tudo muito estranho, esquisito, bizarro, exótico, incomum, extravagante…Mas sei de gente que usa o capacete do Darth Wader como decoração do quarto.

Frio me dá dor nos ossos. Vai pra Paris em janeiro? Vai com Deus! Eu fico por aqui e darei um pulinho em Porto de Galinhas.

O fato de amar viagens e livros e detestar ovos cozidos e panelas não me torna melhor nem pior do que aqueles que os amam. E vice-versa. É, somente, a parte que me torna singular, única no mundo, um lado da minha personalidade, formada a partir das interações que vivi desde meus primeiros minutos. É autoconhecimento e autoaceitação, na medida em que não extrapolo meus limites, fazendo algo que me violenta. E, ainda, pensando dessa forma, não julgo nem ataco os outros porque detestam ler e só assistem ficção científica. Provavelmente, têm motivos para isso, que fogem à compreensão de seus interlocutores imediatos, justamente porque não podem captar a totalidade do que compõe um ser humano. Mas também não quero, em contrapartida, ser rotulada como uma pessoa desprezível somente pelo fato de que não desejo o Rex ou o Bob abanando seus rabos, enquanto seguem meus passos.

Respeito. Tolerância. Consideração. Empatia. Compaixão. Entendimento. Acolhida. Na verdade, é tudo isso que todos queremos mas que, infelizmente, são emoções e sentimentos bastante escassos e pouco vividos na prática, sobretudo se passarmos os olhos pelas redes sociais. Os ataques verbais, escritos e gestuais, fazem-se presentes na medida em que alguém se julga mais justo, correto, inteligente e esperto do que o outro. Hoje mesmo, fiquei sabendo de uma conhecida blogueira que se diz cansada da exposição nas redes, haja vista a quantidade de ataques gratuitos que vem recebendo de seus seguidores. E tudo porque ela emite opiniões que não são do agrado de todos, o que, diga-se de passagem, é utopia.

Gente generosa e de bem com a vida, que deita a cabeça no travesseiro e dorme tranquilamente, não perde tempo com críticas destrutivas nem com desacatos a terceiros que nem conhece pessoalmente. Gente do bem, madura, com autoestima elevada, não se sente intimidada quando ouve teses contrárias às suas. Somente se limita a aceitar o outro, como ele dá conta de se apresentar. E, se for mais equilibrada, ainda dirá:

– Que interessante seu ponto de vista! Não gosta mesmo de cozinhar? Por quê? Me conta mais um pouco sobre isso.

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