Equilíbrio Entre o Dar e o Receber

Lúcio adorava a mulher. Não havia o que ela não desejasse que ele não fizesse. Amor, atenção, carinho, carro novo, viagens, tudo a tempo e à hora. Ele praticamente lhe adivinhava os pensamentos e a surpreendia constantemente. Surpreendia tanto que ficou previsível e Ana, a esposa, começou a entristecer-se e afastar-se. Lúcio notou e, ansioso, pensava o que mais poderia fazer para que ela se sentisse feliz. E, nessa busca, se perdeu. Foi quando Ana, triste e distante, propôs uma DR (pra quem não sabe, Discutir a Relação). Lúcio tremeu, pressentindo a tempestade que se aproximava. E ela veio, violenta: Ana queria a separação. O marido não entendeu, pois vivia para a mulher.

– O problema é exatamente esse! Você me sufoca! Não me dá espaço! Não me deixa nem sentir sua falta. Você, Lúcio, você me dá demais. E eu não posso corresponder a esse excesso.

Na hora, Lúcio não compreendeu o soco no estômago. A bem da verdade, passaram-se alguns meses até que a ficha começasse a cair. Os amigos e a família também ficaram atônitos. Aliás, execraram Ana pois, afinal de contas, Lúcio era o marido perfeito que ela, sem cerimônia, havia jogado no lixo. Uma bruxa ingrata, eram os adjetivos mais suaves dirigidos à Ana.

A frase passou muito tempo ressoando nos ouvidos do ex-marido: nos pesadelos, ao acordar pela manhã, no meio de uma reunião de trabalho: Você me dá demais e eu não posso corresponder a esse excesso…você me dá demais…”

O que Lúcio desconhecia é o equilíbrio entre o Dar e o Receber, uma das Ordens do Amor postuladas pelo genial criador das Constelações Sistêmicas, Bert Hellinger (as outras duas ordens são o Pertencimento e a Hierarquia). Assim, quando um dá demais e se recusa a receber, acreditando que somente amar é suficiente, com o tempo passará a ressentir-se e a relação ficará desgastada. Quando isso acontece, é possível que o que recebeu demais possa agir de três formas:

1- Reconhecer tudo o que recebeu e agradecer por isso;
2- Atacar quem muito deu para diminuí-lo, de modo a criar no doador uma sensação de inferioridade que ele – o receptor – também sente;
3- Abandonar a pessoa que deu demais por não suportar receber os excessos ou sentir-se incapaz de se doar na mesma intensidade. É dessa forma que surgem alguns casos de traições.

Para Hellinger, em relações de amizade e conjugais, um dá e o outro recebe. O que recebe fica grato e, de certa forma, em dívida. Portanto, sente-se compelido a dar de volta. Então, quem recebe dessa vez, sente-se endividado e irá retribuir. Isso irá gerar uma espiral ascendente e crescente, na qual o amor poderá florescer mais e mais.

A engrenagem do relacionamento entre Lúcio e Ana emperrou quando ele – por questões individuais e sistêmicas/familiares – excedeu-se, julgando que, dessa forma, teria a esposa para sempre. E ela – também por questões próprias e familiares – não conseguiu retribuir à altura, gerando um desnível entre os dois. Assim, o que Lúcio tanto temia – perder Ana – acabou acontecendo. E acontece com muitas pessoas que inferem que, se se anularem em prol do outro, terão garantias permanentes. Mas a vida…ah, a vida!…só pode nos prometer escolhas e as subsequentes responsabilidades perante as mesmas.

Ah, o que aconteceu com Lúcio? Atualmente está namorando e sentindo-se muito feliz. Mas, entre a separação e o momento atual passaram-se alguns anos, nos quais ele decidiu se autoconhecer para não cair em novo buraco. Até agora, está dando certo. Quanto à Ana, não tive mais notícias. Mas, de antemão, afirmo que precisará aprender a dar um pouco mais. Se essa for a escolha dela.

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